Sunday, June 7, 2009

Medo

Rejane de Santa Helena
Por que temos medo? Como ele se instala e influencia nossas vidas? Como combatê-lo?
O medo é um sentimento de grande inquietação quando estamos diante de um perigo real ou imaginário ou de uma ameaça. É portanto um sintoma proveniente da insegurança frente a certas situações da vida.
É natural que alguém que não saiba nadar, tenha medo de de se afogar; ou um outro de se atirar de para-quedas, se não recebeu o devido treinamento. Este é o receio ou medo natural decorrente do instinto de sobrevivência. No entanto, ás vezes, o medo agiganta-se e torna exageradas proporções, deixando o individuo impossibilitado de agir, paralisado de medo, ou em pânico. São os casos de claustofobia ou medo de ambientes fechados, ou o medo de alturas, etc.
Hoje em dia, enfrentamos ainda outros medos - o medo e a insegurança do terrorismo internacional, das catástrofes da natureza (tsunamis, tornados, avalanches de neve), das doenças e epidemias que varam o mundo (gripe asiatica, ebole), dos acidentes de avião, de carro, etc. Sofremos ainda o medo de perder o emprego, o medo de perder um ente querido, o medo de fracassar, etc, etc.
A sociedade competitiva e eticamente egoista onde vivemos e as consequências desastrosas desta maneira de viver geram insegurança emocional que induz no individuo o medo. Este medo manifesta-se de diversas formas devido a pressões psicológicas, fatores sociológicos e impositivos econômicos da sociedade atual.
Fatores sociológicos e econômicos
Os fatores sociológicos e econômicos são provenientes da nossa sociedade extremamente competitiva e instável, que promete muito ao indivíduo, mas na realidade não lhe oferece nada mais que ilusões. A sociedade tecnológica compele o individiduo a querer ter cada vez mais, a adquirir bens materiais, esquecendo-se dos bens verdadeiros - os bens morais e éticos do espirito.
Por exemplo, um comercial de televisão promete o sucesso imediato e o amor, àqueles que adquirem o carro do ano, ou que fumam o cigarro da marca X, ou bebem a cerveja da marca Y, no bar famoso entre gente bonita, que sorriem e alegram o ambiente e o visual. Outro comercial promete a casa agradável, os filhos sorridentes e lindos, uma vida sem problemas, ao mostrar pela manhã, ao acordar, uma cozinha moderna, limpa e bonita, com a familia a mesa tomando o suco de laranja da marca Z, todos alegres e satisfeitos, belos e bonitos.
O espectador, homens, mulheres e crianças do mundo, e não do sonho televisivo, está em sua casa, nem tão bela, nem tão confortável, eles não nem tão belos, nem estão sempre felizes e alegres pela manhã. O espectador então, compara e deseja.
O espectador é ainda aquele jovem que não se sente como os outros da televisão, pois não é nem tão belo, nem sabe ainda conversar tão bem. Assim, vê a cena, ou como um exemplo a seguir, e por isto tenta ser como aqueles seres bonitos, jovens e glamurosos da televisão, ou inibe-se. Um e outro, partem para as discotecas e bares para beber e divertir-se como aqueles que vem na televisão. Vão em busca do sonho.
O mundo oferece, e pede que se entre na competição para adquirir o carro do ano e o sucesso, a mulher ou o homem jovem e atraente, a casa agradável, a família perfeita!
O individuo reage a esta expectativa de obter, de adquirir de forma contraditória. Por um lado, quer competir, por outro lado tem medo de fracassar. Assim, “vivem as festas furiosas, as extravangâncias de conduta, os desperdícios de moeda e o exibicionismo” [1]
, esperando vencer o medo íntimo e seus desafios internos e externos. Outros descambelam para a deliquência e para as drogas. Procuram rapidamente obter o que a sociedade oferece, gerando uma onda de violência urbana e de vicios.
Deste modo, uns vivem a loucura da deliquência, dos vícios, das drogas, do materialismo exagerado e suas variadas manifestações. Enquanto outros vivem isolados, buscando proteger-se e proteger sua família, emparedando-se no lar ou em clubes fechados, onde sentem-se protegidos e seguros.
Exagero? Certamente não. Basta observar.
Nesta sociedade alucinada pelo ter e não pelo ser, o medo instala-se nos “temperamentos frageis, nas constituições emocionais de pouca resistencia, de começo no individuo, depois na sociedade” [1]. Por isto segundo a mentora espiritual Joanna de Angelis, “esta é uma sociedade amendrontada. O excesso de technologia gerou ausência de solidariedade humana, que provoca uma avalanche de receios”.
É no espirito que estão as causas do medo.
Embutidos nos fatores socilógicos e econômicos, vamos descobrir os fatores psicológicos oriundos do ser espiritual, pois é no cerne do ser – o espirito, que se encontram as causas do medo.
O medo procede de experiências passadas de reencarnações mal-sucedidas ou fracassadas.
Assim, o medo pode advir da culpa não liberada, em face do crime haver permanecido oculto ou não justiçado, mas permanecendo na consciência do ser para posterior reparação. O medo pode ser ainda decorrente de grande impacto negativo no âmago do ser, como planos maquiavélicos, traições infames com disfarçado sorriso, que geram a atual consciência de culpa e problemas de relacionamento.
Outros experimentam fobias diversas. O medo de lugares fechados, tais como de entrar em elevador, de atravessar um tunel, é a claustrofobia, que pode ser oriunda de um sepultamento vivo, quando morreram vitimados pela asfixia ou falta de oxigênio. Outros tem medo de alturas, por terem sofrido suicidio ou morte semelhante. São estes os medos fóbicos ou fobias. Medos que se não tratados impedem o individuo de viver uma vida normal.
O medo de enfrentar os seus problemas e resolvê-los, impele as pessoas a conectarem-se com outras mentes desencarnadas que lhes inspiram e sugerem a fuga através das drogas, da bebida, do cigarro, do comportamento exagerado.
O medo de não fazer parte da sociedade dos ganhadores impele a chamar atenção, através do comportamento e roupas exóticas e espalhafatosas.
O medo e a frustação de não ter levam ao crime.
O medo de não ser amado, leva a buscar amor. Como não conhece o amor verdadeiro busca-o na troca constante de parceiros, e até na prostituição.
O medo gera desorganização emocional e psíquica, gerando doenças por somatização destes fatores.
E então, como combater o medo? Como evitá-lo?
Novamente,vem nos esclarecer a mentora espiritual, Joanna de Angelis, quando diz que o nosso antídoto para o medo são as informações trazidas pelo espiritismo, a certeza da reincarnação, a certeza de que estamos realizando experiêcias, praticando para aprender melhor e de que a vida terrena não é mais do que um longo dia perante a eternidade real da vida do espirito.
O combate ao medo faz-se através da fé aliada “a terapia oferecida pelo trabalho fraternal, o culto doméstico do evangelho, o pensamento de otimismo e o recolhimento na oração, juntamente com o uso da água magnetizada e do passe.” [2]
Com a certeza da imortalidade, construimos a nossa fé sólida e firme. A fé na vida eterna, a certeza de que somos filhos de Deus, pois Ele nos ofereceu a dádiva da vida, traz-nos a confiança de que “O Senhor é meu pastor, nada me faltará”, pois o bom pai nada deixa faltar aos seus filhos!
Através do trabalho solidário e fraternal, aprendemos a entender as dores e angustias dos nossos companheiros, a ter compaixão, e finalmente a amar verdadeiramente.
O culto do evangelho no lar educa nosso espirito nas verdades divinas e ensina-nos a agir e tomar atitudes moralmente éticas e cristãs. É o evangelho de Jesus que traz-nos lições de otimismo vivo, o fator psicológico capaz de renovar nossos padrões de comportamento, impedindo que o medo, a depressão e angustia se instalem.
O otimismo oriundo da confiança de que se hoje uma porta se fecha, amanhã outra se abrirá. Assim, se hoje perdemos o emprego, ou o amigo não nos reconhece mais, amanhã outras oportunidades surgirão, outros amigos estarão presentes. E o dínamo gerador deste otimismo é a fé. A fé clara, raciocinada, porque baseada na certeza da vida espiritual e do amor que tudo dignifica.
A frequência ao centro espirita esclarece nossa mente e a mente daqueles espiritos que nos acompanham. Educamo-nos e educamos outros, que por afinidade conectam-se a nós.
A água fluidizada e o passe são os bálsamos espirituais que auxiliam a cura e fortalecem o nosso espirito, quando embrenhado na luta para conhecer-se, para se autodescobrir.
Assim quando o medo tentar tomar conta de ti, pensa que estás encarnado na terra para triunfar. O triunfo, no entanto, não está nos aplausos ou nas luzes da ribalta, nem nos sucessos mundanos, que cegam o coração e a mente. O triunfo é sobre si mesmo, e para consegui-lo é preciso lutar. Portanto, ora e pede orientação do Amigo Maior, que é Jesus, deixa os receios e expulsa o medo, para que possas agir com dignidade. E, se a situação for tão aflitiva que não ves saída, confia e segue em frente com alegria, pois a vida eterna está a tua frente, e jamais estará só aquele que contribue para a construção do reino de amor e paz.

[1] Divaldo Pereira Franco e Joanna de Angelis (espirito) , O homem integral
[2] Divaldo Franco e Joanna de Angelis, Florações Evangélicas

Bibliografia:
Evangelho segundo o Espiritismo, Cap V, item 14.
Divaldo Franco ditado pelo espirito Joanna de Angelis; O homem integral
Divaldo Franco ditado pelo espirito Joanna de Angelis; Florações Evangélicas
Divaldo Franco ditado pelo espirito Joanna de Angelis; Libertação pelo Amor.
(Artigo publicado na Revista Espírita da Mansão do Caminho, editora LEAL.)

Evolução e responsabilidade espírita

Rejane de Santa Helena
Durante a evolução sobre a terra, nós seres humanos, vimos desenvolvendo aos poucos nossas capacidades intelectuais e espirituais. Passamos do ‘ser totalmente instintivo’, que lutava animalescamente por sua sobrevivência num mundo hostil, para um ‘ser mais sensivel’, que busca criar melhores condições de sobrevivênvia para si mesmo e sua prole. Nesta evolução passamos pela idade do fogo, da pedra, do ferro, chegamos ao que chamamos de período civilizado. Enquanto ser gregário, agrupamo-nos socialmente para vivermos em comunidades, em cidades.
Grandes civilizações desenvolveram-se, atingiram o apogeu e decaíram. Crescemos intelectualmente e espiritualmente, uns mais rápidamente, outros tantos lentamente, cada um de nós em um ritmo próprio. Alguns povos especializaram-se no desenvolvimento do intelecto, outros nos valores espirituais. Em muitas destas fases, o primitivismo predominou através de guerras ou do domínio dos fortes sobre os mais fracos, tanto física como psicologicamente.
Há 2000 mil anos, Jesus trouxe à terra o amor pelas criaturas, ensinando a todos nós que somente através do amor, o homem atingirá seu apogeu evolutivo. No entanto, recebemos estes ensinos divinos e mal percebemos a sua grandeza. Mesmo na época de Jesus, muitos de nós não conseguimos perceber estes ensinos, além da sua utilidade prática, momentânea, de cura de nossos males físicos ou emocionais.
Como diz Amélia Rodrigues através da mediunidade de Divaldo Franco, “Jesus aparece-lhes e abre-lhes um elenco de novas possibilidades, oferecendo-lhes recursos incomuns, oportunidades antes jamais imaginadas e causa uma rápida mudança de conduta. ...A mensagem dEle, de renovação e de libertação interior, no entanto passava quase despercebida...” [1]
No entanto, a mudança ocorre. A semente do amor estava plantada. Assim, apesar de momentos históricos negros, a arte e a cultura ressurgem para nos mostrar a beleza do mundo e sensibilizar o nosso espirito primitivo para as coisas mais elevadas.
Deixamos de apenas lutar pela sobrevivência. Agora, ainda trabalhamos para viver, mas apreciamos algumas comodidades e, alguns de nós já desenvolveram o espirito crítico: político, científico e artístico, alguns de nós o ético-moral-religioso.
As guerras e revoluções continuaram e continuam, mas de tempos em tempos, espíritos mais elevados renascem entre nós para iluminar todos os campos da nossa cultura. Nestas ocasiões o saber aprimora-se, e o conhecimento científico utilizado positivamente proporciona-nos cada dia mais comodidades.
No final do século 19, os espíritos oferecem-nos a sua doutrina através de Allan Kardec. No mundo ocidental vivíamos a revolução industrial. Desenvolvíamos cada vez mais o conhecimento científico e a nossa indústria sofreu forte impulso e desenvolveu-se. Estavamos também aptos a adquirirmos mais conhecimentos sobre a vida espiritual. E a verdade da vida espiritual surgiu através de manifestações em várias partes do mundo. Allan Kardec iniciou o trabalho de codificação da doutrina dos espíritos e esta também espalhou-se pelo mundo.
O século 20, século das grandes descobertas científicas, de Einstein, Madame Curie, e outros tantos nomes que contribuiram para o desenvolvimento da nossa ciência em todos os seus ramos, também nos traz uma outra revolução - a da comunicação. Já não vivemos isolados numa região, mas somos co-participante no dia a dia da vida planetária. Acompanhamos os acontecimentos no planeta e co-participamos, observando, criticando. E este virá a ser um dos fatores importantes no nosso processo evolutivo como ser humano. Participar para entender. Compreender para que possamos nos modificar interiormente e mudar também o mundo a nossa volta.
Facilidade de locomoção terrestre, maritima e aérea ajuda o redescobrimento de culturas milenares como a da India, Japão e da China. A medicina tradicional que faz transplantes do coração, microcirurgias via computador, também é desafiada pelas praticas milenares destas culturas. A medicina alternativa propaga-se e começa a surgir a medicina vibracional.
Nós queremos ser co-participantes em todas áreas de nosso desenvolvimento!
Estamos portanto, em meio a uma revolução na nossa história de seres humanos. De um lado o materialismo oriundo da revolução industrial e científica. De outro, a busca de conhecimento espiritual e do auto-descobrimento, a busca da força interior. Já não lutamos contra as feras para sobreviver. Mas lutamos conosco mesmo, num esforço supremo para nos conhecermos e libertarmos-nos dos grilhões de ferro a que nos atamos ao longo dos séculos.
Hoje temos o conhecimento científico e espiritual à mão. Os espíritos trouxeram a vida espírita à luz do nosso conhecimento. E não somente através do Espiritismo, pois em todas as religiões os fenômenos mediúnicos estão presentes. É o mundo espiritual ajudando o mundo terreno a progredir, ajudando a nos libertarmos através do conhecimento, ajudando-nos a galgar degraus evolutivos mais rapidamente.
Temos portanto, tempo para pensar e capacidade para analisar. Temos a nossa disposição o conhecimento científico e o conhecimento mundano. E nós espíritas temos a disposição os ensinamentos morais e espirituais lançados por Jesus e novamente analisados a luz do Espiritismo.
Ganhamos muito nestes milênios de nossa evolução de homens e mulheres primitivos à civilizados. Ganhamos bem estar social, vivemos mais. Temos à nossa disposição na prateleita do super-mercado a alimentação para o corpo, entertemo-nos com o rádio, a televisão, o video. Podemos nos comunicar com o mundo pelo telefone e até pelo computador. Temos ainda à nossa disposição alimento para alma, nos centros espiritas, nos livros espiritas, no evangelho.
E o que o fazemos? Repetimos automaticamente como se a palavra, o conhecimento trazido pelos espíritos não fosse para nós mesmos, mas para outros. Propagandizamos nosso conhecimento, mas não o aplicamos a nós mesmos. Esquecemos que Jesus advertiu: “Pedir-se-á muito aquele que muito recebeu, e prestará contas aquele a quem foram confiadas muitas coisas. (Lucas 12:47-48)”.
Onde está a nossa responsabilidade de espíritas?
Adquirimos muito conhecimento. É nos dado conhecer as diferentes facetas dos ensinamentos de Jesus, explicados pelos espiritos através de Allan Kardec, Chico Xavier, Divaldo Franco, Raul Teixeira e tantos outros que nos apresentam as leis divinas, a moral cristã e a vida espiritual em seus livros psicografados ou não. Temos ainda a oportunidade, de discutir e analisar estas verdades nas reuniões e palestras nos centros espiritas diariamente.
E o que fazemos com este conhecimento? Engavetamos no armário da sala, na cristaleira fechada a sete chaves, onde todos vêem mas ninguém toca? Ou vivemos o que já conhecemos no nosso dia a dia, dando aos outros o que já adquirimos?
Viver o Espiritismo, é viver o Cristianismo, é colocar em prática o que aprendemos com Jesus! É se preocupar com os conselhos dos espíritos em cada comunicação, em cada palestra que assistimos ou que proferimos, para entender onde ele se aplica na nossa vida, e então praticá-lo. Praticá-lo na nossa casa, no nosso trabalho, na nossa comunidade, na cidade, no país em que vivemos.
O conhecimento que adquirimos é sempre primeiro para nós mesmos, depois de consolidado, pode vir a ser transmitido e exemplificado para outros. E por isto Jesus adverte-nos “Por que vedes o arqueiro no olho do vosso irmão, vós que não vedes uma trave no vosso? (Mateus 7:3)”. Muitas vezes recebemos o conhecimento, e o colocamos como exemplo para alguém que está ao nosso lado, esquecendo de analisar o nosso próprio comportamento à vista deste ensinamento. Que ilusão! É a ilusão dos fariseus, que se achando sábios esqueceram de praticar, para somente tagarelar! Seremos nós como os antigos fariseus? Estaremos somente repetindo as palavras sem a preocupação de colocá-las em prática na nossa vida?
Seremos nós como aqueles homens que viveram com Jesus e não O conheceram?
Já não somos cegos. Recebemos muito conhecimento. Temos portanto, o dever e a responsabilidade de espalhar esta luz, não através das palavras que proferimos, mas das ações que praticamos!
Comunicar é a palavra do momento!
No entanto, comunicar somente não basta – é preciso dar o exemplo!

[1] Rodrigues, Amélia (Espirito), …Até o fim dos tempos, psicografia de Divaldo Pereira Franco, Salvador, BA, Livraria Alvorada Editora, 2000.

(Este artigo foi publicado pela Revista Internacional do Espiritismo)

Cura Integral

Rejane de Santa Helena
A história do espiritismo no Brasil é cheia de exemplos enriquecedores, alguns bem conhecidos, outros permanecem ainda guardados, talvez esquecidos em gavetas empoeiradas.
Abrindo um livro de orações, guardado e esquecido há pelo menos 60 anos, descobri não somente gavetas, mas portas de quartos escuros, empoeirados, mas íntegros, que o tempo guardou e tranqüilamente esperavam para serem abertos e desvendados!Assim, depois de quase 100 anos, vejo-me inteiramente absorvida na leitura da história de um grupo de espíritas pioneiros de Porto Alegre, lendo a história do Grupo Espírita D.Feliciano, fundado em Porto Alegre em 1901, e que teve seu nome mudado em 1921 para Sociedade Nazarena Anjo Feliciano. Detive-me então a pensar sobre um dos seus aspectos - o comportamento de seus membros frente a doença.
Esta Sociedade pregava - e praticava - que não havia necessidade de uso de medicamentos para a cura de doenças. Em escritos deixados por membros da Sociedade, em forma de atas de reunião, e de um levantamento histórico entre o período de 1901 e 1925, lê-se o seguinte: "...a [nossa] sociedade ser a única que realmente segue a religião de Jesus, obedecendo até o seu método de cura, o que usou Jesus e seus apóstolos quando transitaram neste planeta, método este que consiste exclusivamente em, curando os doentes, sarar também os sofredores desencarnados, fazendo-os conhecer bem de perto Jesus e se aproximarem de Deus pela prática da religião única consignada no Novo Testamento. ".
O texto completo é quase um retrato de como pensavam aqueles homens do início do século: suas crenças, seus ideais. Giravam eles em torno do fundador do grupo, Alfredo Silveira Dias, um homem de ideal, com uma grande fé em Deus e no mundo espiritual. Certamente, um líder que conduziu muitas pessoas à renovação moral e espiritual, que viveu o que pregou, já que ainda hoje carrega de emoção as vozes das pessoas quando dele se referem. Sobre suas idéias é que escrevo. Já que ele, liderou a Sociedade por mais de 50 anos, e ainda hoje encontramos alguns seguidores dessas idéias. Idéias que talvez tenham sido deturpadas com o passar do tempo - e quem somos nós para julgar? - mas que na essência continham um bom entendimento do que é a vida.
Um dos aspectos mais interessantes desta Sociedade, e talvez o que levou seus membros a serem muitas vezes agredidos por jornais e pela sociedade local, era a sua rígida moral (talvez, reflexo da sociedade brasileira do início do século passado) e o repúdio aos medicamentos.
A Sociedade pregava que para a cura radical não são necessários remédios, mas a renovação moral - 'conhecer de perto Jesus', o uso da bioenergia ou 'o método que usou Jesus' e a "possibilidade de cura dos sofredores desencarnados". Analisemos portanto com lógica e frente ao espiritismo o que significa a cura radical.
Saúde é a ausência de doença de qualquer espécie - física, emocional e espiritual, portanto, a cura total ou radical é também a ausência de doença física, emocional e espiritual.
Como obter a cura total? Tratando a causa da doença e não os seus efeitos. Onde está a causa da doença? Quais são os seus efeitos? Os efeitos da doença manifestam-se no corpo físico, ou afetando o estado emocional e psicológico, e num nível mais profundo, no corpo espiritual ou perispírito. As causas podem ser várias, mas estão relacionadas com o que é o Ser individual, sua personalidade manifesta, seu inconsciente ou subconsciente. Elas podem ser encontradas impressas no perispírito, já que este "é o envoltório semi-material do Espírito, e que nos encarnados, serve de laço ou intermediário entre o Espírito e a matéria; e nos Espíritos errantes, constitui o corpo fluídico do Espírito".
Deste modo, para se atuar sobre a(s) causa(s) da doença, deve-se atuar sobre o perispírito ou mais profundamente, sobre o Espírito ou Ser Espiritual.
Os remédios atuam sobre o corpo físico ou encarnado, sendo portanto somente paliativos, já que curam os efeitos, mas não as causas das doenças. O problema de curar a doença, é como já dissemos, e bem sabemos, curar a sua causa ou curar o Ser Espiritual.
Para o espírito regenerar-se ou curar-se, é preciso muitas vezes, a atuação ou ajuda espiritual, através da prece, da bioenergia, da doutrinação dos desencarnados que ora se ligam ou são atraídos pelo indivíduo. Todos estes fatores atuam sobre o perispírito, e auxiliam a cura do Ser Espiritual. Mas, a cura do Ser espiritual, a um nível mais profundo, requer ainda um pouco mais - requer uma mudança de atitude, de personalidade manifesta, do consciente e do subconsciente. Requer, portanto uma mudança profunda e definitiva!
A cura espiritual segue-se a cura do corpo, já que o corpo reflete o espírito. Assim, a cura radical ou integral, é a cura do causa da doença e dos seus efeitos, que somente é obtida com a mudança radical daqueles aspectos desencadeadores da doença ou seja, com a renovação do indivíduo.
E, facilmente, chegamos a conclusão que os membros pioneiros daquele grupo espírita tinham razão! A cura integral só é atingida através da renovação moral do indivíduo ou do Ser Espiritual.
Uma vez que reconhecemos que a causa da doença esta no próprio indivíduo, analisemos agora, mais detidamente o problema da renovação ou mudança, e depois passaremos a discutir como agir ou mitigar os efeitos, físicos ou emocionais desta causa.
Mudança radical significa mudar-se e não voltar ao estado inicial. O problema é que nem todos estamos preparados para uma mudança radical em pouco tempo. Aliás, diria melhor, muito poucos o conseguem. Mudanças de comportamento são lentas e custosas.
Uma comparação simples, é o hábito de fumar. Uma pessoa que fuma por 20 anos, quanto tempo leva para parar de fumar? Com muito esforço, depois de umas tantas tentativas frustradas, onde o hábito renitente vai e volta outras tantas vezes, o individuo consegue, e pára de fumar. Mas, quanto tempo leva o corpo para se livrar dos venenos que o cigarro deixou? Um ano? Dois anos? As vêzes não se livra nunca (nesta vida) e morre com o pulmão contaminado!
Agora imaginem um habitozinho, destes que vem de séculos, que não precisa ser muito 'sério', uma vaidadezinha à toa, um egocentrismo pequeno, aquela raivazinha que aparece quando nos contradizem, mas literalmente nos come por dentro?! Será que é de um dia para o outro que nos livramos dela e realmente mudamos?
Mudanças radicais são lentas, por que são o resultado do conhecimento adquirido e da integração deste conhecimento à personalidade ou ao ser espiritual!
Portanto, mudar-se significa trabalhar interiormente o aspecto que se quer modificar, e para isto primeiro, é preciso identificar o que se quer e pode ser mudado - é o auto-descobrimento. Primeiro, o indivíduo se auto-descobre, torna-se consciente do que é, e do que não é. Conhece os seus aspectos positivos, e aqueles aspectos negativos da sua personalidade. Aprende a identificar quando está com raiva e a perceber que tem raiva - pára, identifica e pensa. Numa segunda fase, ele entende que precisa mudar-se, regenerar-se. Passa então, a não reagir, mas a agir. É aí que começa a mudança. Aos poucos, lentamente.
O Espiritismo vem ajudar o indivíduo através da bioenergia (imposição de mãos ou qualquer dos seus métodos) a limpar seu campo energético, seu perispírito, para que eliminando as impurezas fluídicas ou energéticas do perispírito, ele possa se auto-descobrir mais facilmente, e rapidamente. O Espiritismo trazendo o conhecimento do amor, da caridade, a doutrinação moral (doutrinação aqui no sentido de trazer o amor e a moral de Cristo) ajuda a entender onde estão suas falhas e como modificar o próprio comportamento, ajudando assim, indiretamente, também os desencarnados que estão a ele ligados por afinidades morais presentes ou passadas a também reconhecerem-se e auto-descobrirem-se.
Este é o processo de cura espiritual, o qual exige esforço próprio, mudança radical e que levará a cura radical, pois a cura espiritual se refletirá no organismo encarnado e levará a cura da doença corporal. Eliminando a causa, o efeito desaparece. Este processo, é, como já dissemos, lento e demorado.
Na maioria das vezes distorções de caráter/moral apesar de muito pequenas, originaram-se e permaneceram no ser espiritual por anos, séculos ou milênios. Estas pequenas deformações morais deixaram marcas no perispírito que podem gerar fraquezas no corpo encarnado atual e levar ao desencadeamento de doenças, mais ou menos graves. Algumas destas doenças são passíveis de serem combatidas pelo indivíduo sozinho, sem ajuda de medicamentos de qualquer espécie. Outras são no entanto, mais profundas, residem no subconsciente, ou falando em termos energéticos, situam-se em camadas mais profundas do ser espiritual.
Para que a cura total se realize, é preciso atuar nestas camadas profundas, faz-se necessária uma ação conjunta sobre o corpo encarnado e o corpo espiritual. Assim, trata-se o corpo com os recursos necessários para amenizar a dor, e os efeitos visíveis da doença, e o corpo espiritual, onde reside a verdadeira causa da doença. Neste tratamento conjunto, aliam-se: os medicamentos, que podem ser alopáticos (químicos), homeopáticos ou naturais, à técnicas alternativas, que atingem mais facilmente o perispírito como: a bioenergia, a ação dos cristais, florais de Bach, cromoterapia, massagens em pontos de concentração de energia (bloqueios energéticos), acupuntura e várias outras técnicas disponíveis hoje em dia. Assim, os medicamentos e técnicas da medicina convencional, homeopática e alternativa agem conjuntamente, com o auxílio espiritual ministrado através da prece, do passe, da doutrinação nos princípios cristãos através do Espiritismo, para que a saúde do ser físico e espiritual seja restabelecida.
Fica claro aqui que, como já disse anteriormente, existem lesões no ser espiritual que por serem mais profundas não podem ser curadas no período relativamente pequeno de uma vida terrena. O processo pode iniciar-se no corpo encarnado, curando as camadas externas do perispírito ou facilitando que a doença aflore nas camadas mais externas, liberando-a das camadas mais profundas, e terminar no mundo espiritual. Existem exceções, quando por merecimento, vontade de renovação individual intensa, profunda e determinada, acompanhada por uma renovação moral cristã, em que a cura espiritual é obtida em uma reencarnação, ou mesmo em um período breve da existência na terra.
O que se diz em medicina terrena, também se aplica a medicina espiritual - cada caso é um caso - e deve e será analisado e tratado individualmente. A fé, a vontade firme de renovar-se moralmente e integralmente, o amor e a perseverança no bem, é que vão determinar ou provocar a cura.
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(Este artigo foi originalmente publicado na Revista Presença Espirita, Salvador, BA, Brasil, Novembro, Dezembro 2000, Ano XXVI, pag 18-21, Editora LEAL (Mansão do Caminho). É parte de um estudo sobre um dos primeiros núcleos espiritas de Porto Alegre, RS, e do qual a familia de o pai da autora fez parte desde o início.) Foi posteriormente publicado no Boletim GEAE Número 424 de 21 de agosto de 2001)